Célio Garcia e a introdução do pensamento do médico e psicanalista Jacques Lacan no Brasil

“Enquanto estive na França (na década de 1950), me interessei pela psicanálise. Acompanhei os seminários do doutor Lacan a partir de 1953”.

“Ainda era estudante, e aí faz bastante tempo, já havia me dado conta de que muita gente fazia a mesma pergunta: como podia o doutor Lacan nos surpreender com tanta erudição, ou melhor, leituras tão diversificadas, por ocasião dos seminários?”

Os trechos acima foram escritos por Célio, em diferentes registros sobre os seus primeiros contatos com o médico e psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981), de quem foi aluno na Sorbonne. De volta ao Brasil, nos anos 1960 e 1970, aprofundou seus estudos sobre Lacan, já como professor de Psicologia da UFMG, e foi responsável por introduzir o pensamento do psicanalista na universidade.

Ao final da carreira, Célio já era citado por vários autores como um dos responsáveis por trazer para o Brasil as ideias do seu professor Jacques Lacan. No verbete Célio Garcia no Dicionário de Psicologia Latino-Americana, a professora Regina Helena de Freitas Campos (UFMG) destaca:

Os interesses de Célio e Jacques Lacan se encontraram na Psicologia Social, área na época denominada pelos franceses ‘Psicologia da Vida Social’, visando marcar a abordagem clínica, diferente da abordagem experimental então prevalecente na Psicologia Social norte-americana. Para Célio, essa abordagem clínica significava que, para a investigação em Psicologia Social, era preciso focalizar a experiência singular e histórica do grupo e dos sujeitos no interior do grupo. (…)

A partir de meados dos anos de 1970, Garcia aprofundou seu conhecimento da psicanálise, especialmente na leitura de Jacques Lacan, e se interessou pelas ciências da linguagem, na linha das investigações sobre o inconsciente organizado como uma linguagem, refletindo assim a dimensão socioideológica do sujeito. Nessa época, suas publicações abordaram as relações entre psicanálise, linguística e estruturalismo, e também os temas da ética e da política.

Confira: Célio narra bastidores dos seminários com Lacan

O Portal selecionou alguns textos de Célio que descrevem bastidores de encontros e dos célebres Seminários de Jacques Lacan nos anos 1950. Vale a pena conferir o preciosismo da narrativa e dos detalhes observados pelo autor.

Num primeiro texto, intitulado “Encontros com Lacan”, ele conta sua rotina de estudante:

Para ir a Sainte-Anne, a gente saía do Quartier Latin, o que já era uma novidade. Havia quarenta pessoas na sala do Hospital Sainte-Anne. Nos anos 1970, na faculdade de Direito, havia 400. As primeiras filas, quando o seminário se passava em Sainte-Anne, eram ocupadas pelos mais velhos, que faziam parte do grupo do Dr. Lacan, também médicos do hospital.

Entre os professores de Célio à época, estavam Jean Piaget (“que vinha de bicicleta”), Daniel Lagache (“um dos poucos que chegavam de carro na Sorbonne, estacionava no pátio”), Cousinet (“o mais velho, ia de polainas para dar aulas”), Favez Boutonnier, Laget (“Fisiologia, ele tinha estado no Brasil”), Pichot (“médico do Hospital”), entre outros.

Eu era um dos únicos estrangeiros (…). Éramos cristãos de formação e marxistas como posição intelectual e política

Ele prossegue:

Seguimos seminários fora do curso (…). Eu era um dos únicos estrangeiros. Vivíamos em bando, mesmo nas férias; as meninas moravam em estúdios tanto como nós. Comíamos no restaurante universitário “Mabillon”.

Líamos jornais como o Observateur, Humanité, militávamos no Mouvement de la paix (‘estar mais próximo do Partido Comunista’, como havia proposto Sartre). Éramos cristãos de formação e marxistas como posição intelectual e política. De vez em quando um sobressalto. Um dia, os colegas foram convocados para ir para a Argélia. Um deles foi e voltou ‘pirado’.

Veja o texto completo:

Encontros-com-Lacan-v1

Para visualizar o documento maior, clique aqui.

Em relação ao segundo texto, Sobre a transmissão – Lacan no Brasil, Célio registra no início do texto e depois, na parte final:

Este artigo resulta da reunião de duas contribuições levadas a congresso recentemente – uma primeira, quando participei do II Congresso de Psicanálise, realizado no Rio de Janeiro em outubro de 1985, sob os auspícios da Causa Freudiana do Brasil e sob a responsabilidade do Colégio Freudiano do Rio de Janeiro; uma segunda, quando participei do IV Encontro do Campo Freudiano em Paris, em fevereiro de 1986, organizado pelo Champ Freudien.

(…)

Nesta última parte do meu comentário, quero deixar bem claro que fui formado na leitura e no ensinamento de Jacques Lacan no Hospital Sainte-Anne, e tenho a impressão de que ele diria de bom grado, se tivesse conhecido o Brasil: “Je me range du coté du Brésil” (por alusão ao que ele disse “Je Me range du conté du barroque” e que eu coloquei como dístico desta intervenção)… justamente na medida em que essa razão barroca que ele promoveu não se limita à razão classificatória, cientificista. (…) Sem essa “barroquice”, Lacan não teria lido Freud com a malícia que sabemos que ele soube imprimir a esta leitura.

Veja o texto completo:

Sobre-a-transmissao-Lacan-no-Brasil

Para visualizar o documento maior, clique aqui.

Leia, por fim, um terceiro texto selecionado, Lacan e a Ciência, datado de 27 de maio de 1990. Um original, acentos corrigidos à mão sobre impressão em máquina matricial e com correções manuscritas do autor. O início é também instigante, onde Célio escreveu:

Freud possui um ideal de ciência e uma ciência ideal. Para Lacan, a ciência não é um ideal para a psicanálise.

Lacan-e-a-ciencia

Para visualizar o documento maior, clique aqui.
Compartilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *