A casa, o consultório e a biblioteca da rua Santa Maria do Itabira

Ela foi erguida nos anos 1960, inspirada, à época, nos projetos arquitetônicos dos grupos escolares de BH feitos pelo arquiteto Galileu Reis, com tijolinhos e concreto à vista.

Os filhos de Célio e Angelina, Rodrigo e Gabriela, viveram bons anos da infância e juventude na casa e nos arredores, onde brincavam muito e até criavam um cavalo. Um tempo depois, o consultório passou a funcionar na casa também (na parte da frente), e a família passou a morar nos andares de cima. Confira as fotos:

Até hoje, há uma plaquinha de acrílico acima da caixa dos Correios que indica: “Célio Garcia”. Ela foi colocada, segundo ele, para facilitar a entrega de livros e correspondência por parte de colaboradores.

Anos mais tarde, a família se mudou para um prédio na esquina, e quase todos os cômodos foram, então, invadidos por estantes com livros, livros e mais livros.

E o endereço da rua Santa Maria do Itabira, “ou o 87”, como era chamado pela família, tornou-se a casa-consultório-biblioteca, recebendo, ao longo de décadas, não só analisandos, orientandos, alunos e colegas… mas sim gerações e gerações de psicanalistas.

Os “Seminários”, realizados em geral às terças-feiras à noite, tornaram-se referência como momentos de formação, sendo frequentados também por profissionais das mais diversas áreas, como filósofos, advogados, jornalistas, escritores, linguistas, antropólogos, entre outros.

Confira alguns momentos de Célio no 87

Em depoimentos sobre a casa, é comum as pessoas falarem em “encontros agradáveis”, “laboratório de ideias”, “espaço para se instigar o saber” ou do “desejo pelo conhecimento”.

E cada canto é motivo de recordações, como a escada com estantes, o calor da lareira, o jardim com passarinhos, os vasos com orquídeas (que ele sempre ganhava). Mas o local, entre muitos tijolos, plantas, pedras, é também marcado por lembranças de muitas lágrimas e suspiros.

Entre as centenas de frequentadores da casas, estava Gilson Iannini, professor da UFMG, segundo o qual “a rua Santa Maria do Itabira era um laboratório de ideias”, e a biblioteca, “um manancial, disponível a quem soubesse ler”.  Para ele, Célio Garcia “não faz parte apenas da história da psicanálise. Ele faz parte de nosso inconsciente. O inconsciente é a rua Santa Maria do Itabira ao anoitecer”. (*)

Por sua vez, a psicanalista Cristiane Barreto, que se recorda muito das escadas “com cheiro de livros”, escreveu:

 (…) lá estava estava eu na casa da rua Santa Maria do Itabita, subindo aquelas escadas com cheiro de livros, olhando, encantada, para as estantes, degrau por degrau. Umberto Eco considerava tolo (acertadamente) perguntar a alguém se já havia lido todos os livros de sua biblioteca particular. Nunca tive vontade de fazer essa pergunta ao Célio Garcia, por ter desde sempre a impressão de que ele havia lido todos aqueles livros que me olhavam da estante”. (*)

(*) Leia os depoimentos completos na obra “Tributo a Célio Garcia”, de Sérgio de Campos (org.), da editora Topológica.

Os musguinhos frescos do 87

A casa do 87 guarda também muitas histórias da família.

Nos anos 1970, a casa estava na fronteira da cidade. Por isso, era possível “subir as montanhas”, logo atrás dela, para “buscar musguinhos frescos”, como faziam os filhos de Célio, Rodrigo e Gabriela, acompanhados dos amigos…

Em abril de 2013, Célio escreveu um poema em homenagem aos 50 anos da filha Gabriela, que havia muitos anos morava em Boston, nos EUA.

E enviou para ela por e-mail.

Gabriela,

Quando chega o 15 de Abril, a terra se enfeita toda.

As cerejeiras estão em flor no hemisfério norte.

E Belô tem o clima mais ameno.

Ao se aproximar o 15 de Abril, musgos brotam nas muralhas do 87.

Vamos procurar os musgos para enfeitar a nossa casa 87.

Subiram na montanha atrás da nossa casa, Rodrigo e você, Gabriela, e, acompanhados dos amigos, foram buscar os musgos.

Trouxeram os musgos, musguinhos frescos.

Passados muitos anos, estão lá os musgos como a cada ano.

Brotam da terra da pedra como a cada ano, já faz muito tempo que eles brotam.

No dia seguinte, veio a resposta:

Papai querido, este poema que você escreveu é o presente mais lindo e precioso que você pode me dar.

Ficará pra sempre no meu coração!

I love you,

Bibi

Compartilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *